segunda-feira, 21 de março de 2022

O Caso das Dez Baratinhas

Todo verão, Fulaninho e sua família brigavam. Não entre si, apesar de haver lá suas desavenças, mas sim contra seres indesejados. Por motivos que apenas a natureza explica e aceita, a casa de Fulaninho (em particular seu banheiro) tornava-se um lugar muito atraente para baratas. Seria a energia negativa? Seria a sujeira local? Ou os insetos simplesmente gostavam de azucrinar as pessoas que ali moravam?

Mas no verão atual a situação estava fora do normal. As baratas perderam a noção. Estavam ousadas. Ou talvez estivessem achando que faziam parte do filme Joe e as Baratas, onde elas são amigas do protagonista e muito bem-vindas na casa dele.


Um dia Fulaninho foi tomar banho e uma barata pousou em suas costas enquanto ele tirava as roupas. Acabou sendo trucidada sem piedade com um chinelo. Em outro momento, a irmã dele foi ao banheiro e se assustou, gritando por Fulaninho, que precisou parar de ver sua série na televisão para meter uma chinelada nas entranhas de outra barata inconveniente.

Dias depois, Fulaninho estava em seu quarto, sentado diante do computador jogando Fortnite online com os amigos quando uma nova barata apareceu, escalando cautelosamente a parede branca do aposento. Fulaninho foi obrigado a jogar o chinelo sujo na direção do inseto, colocando-o rumo ao encontro de seu Criador.

Mas nada fazia as baratas largarem o osso. Uma guerra aparentemente havia sido declarada. E infelizmente essa não era uma luta do tipo “se não pode vencê-las, junte-se a elas”. A última coisa que Fulaninho faria é dividir as trincheiras com seres de tamanha falta de educação. Uma hora elas apareciam no canto do box do chuveiro, em outra era em cima da pia, e depois embaixo da pia. Nem uma bomba de SBP as convencia de que ali não era o lugar delas.

Em pouco mais de um mês, Fulaninho já havia aniquilado dez parentes do vilão de MIB: Homens de Preto, um número que ele via como inédito para o curto período de tempo. Isso costumava ser mais ou menos o número de baixas de um ano inteiro. E em meio a uma batalha que ele não sabia se estava ou não chegando ao fim, nosso bravo guerreiro decidiu adaptar um famoso poema que podemos encontrar nas páginas de um clássico de Agatha Christie. Compartilho tais palavras abaixo.

“Dez baratinhas foram incomodar humanos enquanto chove;

Uma delas levou uma chinelada, e então sobraram nove.

Nove baratinhas queriam aparecer no Instagram pra ganhar biscoito;

Uma delas se distraiu e então sobraram oito.

Oito baratinhas sonhavam com mascar chiclete;

Uma delas se grudou numa goma e então sobraram sete.

Sete baratinhas adoravam subir paredes, mas eis

Que uma delas viu um gigante e então sobraram seis.

Seis baratinhas corriam com afinco;

Uma delas se perdeu das outras e então sobraram cinco.

Cinco baratinhas voaram atrás de novos ares;

Uma não bateu asas o suficiente, e então sobraram dois pares.

Quatro baratinhas desejavam a droga da vez;

Uma tragou altas doses de SBP, e então sobraram três.

Três baratinhas andavam no banheiro querendo lavar roupa suja;

O chinelo surpreendeu uma, e então sobraram duas.

Duas baratinhas andavam na cozinha sem noção alguma;

Uma delas foi encontrada, e então sobrou só uma.

Uma baratinha está a sós aqui, apenas uma;

Ela então abraçou a morte, e não sobrou nenhuma.”

sábado, 19 de março de 2022

Carta a uma recém-nascida

(Na última quarta-feira minha sobrinha nasceu. E eu resolvi escrever uma carta.)

Cara Isabela,

Enquanto escrevo estas palavras você provavelmente está dormindo ao lado de seus pais no hospital. Considerando que um dia também fui um bebê, arrisco dizer que você não lembrará de nada do que está vivendo neste exato momento. Você irá levar alguns anos até mesmo para ler essa carta. Mas o lado bom disso é que você realmente não precisa se preocupar com nada. Ao menos por enquanto.

Você chega como um verdadeiro encanto nessa família. Não há ninguém aqui que tenha olhado torto para você. Se houver, pode ter certeza que já cuidei da pessoa e ela não será mais um incômodo. Eu, por exemplo, tenho em vídeo o exato momento em que te vi e decidi instantaneamente que serei seu segurança (irei guardar o vídeo pro caso de você querer assistir futuramente). Pretendo ser para você o que Roy Kent é para a sobrinha dele em Ted Lasso, uma série que certamente irei lhe apresentar um dia. O que eu não sei é se você irá se encantar com o mundo em que você chegou, e escrevo essa carta porque espero te deixar mais ou menos preparada para o que você irá encontrar.

Esse mundinho aqui não é fácil de digerir. Admito que não sou um grande estudioso, mas posso te dizer que coisas ruins acontecem todos os dias, sem exceção, e podem atingir muitas ou poucas pessoas. Pessoas estas que, em sua vasta maioria, vivem lidando com obstáculos que as impedem de deitar a cabeça no travesseiro sem preocupações ao final do dia. Trata-se de um mundo muito injusto, infelizmente, e não há muita perspectiva de mudança. Como se isso não fosse o suficiente, ainda temos que lidar com problemas puramente pessoais que podem nos derrubar por mais bobos que possam parecer para os outros (espero que os seus pais reservem dinheiro para a terapia, porque você pode vir a precisar).

Mas esse mundo também é tão complexo que ainda assim pode ser que você goste dele. Ao longo dos próximos anos, pode ter certeza que você será preenchida de amor pela nossa família, descobrirá grandes e pequenos prazeres, conhecerá uma série de outras pessoas que chamará de “amigues” (com quem deverá ter muitas alegrias) e viverá muitas coisas. Terá sofrimento no meio do caminho? Certamente que sim. Mas saiba que você não precisa passar por nada dessas coisas sozinha e espero que tire o melhor proveito de tudo isso, já que no fim das contas todas as nossas vivências ajudam a formar o nosso caráter. E se eu tivesse que lhe dar uma dica agora, acho que diria para você tratar os outros como gostaria de ser tratada (a menos que estejamos falando de babacas, nesse caso apenas sorria e acene enquanto os manda longe mentalmente).

Mas por ora, apenas aproveite o momento sem preocupações e se permita ser altamente paparicada.

Do tio que te ama,

Toco