segunda-feira, 21 de setembro de 2020

O Inter Me Obriga a Beber...

Acho que todo torcedor que conhece seu time de futebol já espera algumas coisas dele, não importa se o clube é considerado grande ou pequeno ou se essas coisas são boas ou ruins. Com o Internacional não é diferente. Eu diria que é fácil se iludir com o time, bastando uma pequena sequência de ótimos jogos para que tenhamos a sensação de que a equipe fará bonito nos campeonatos. Em 2020, nas mãos do técnico argentino Eduardo Coudet acho que isso surgiu com um pouco mais de força que nos anos anteriores. No entanto, há certas manias que parecem estagnadas no DNA do time, não importando quem está no elenco ou na comissão técnica, e com as quais me irrito mesmo que não me surpreendam mais. Manias capazes de acabar com chances de título e, sabe-se lá como, sempre conseguem surgir quando o time só depende de si para alçar voos altos no Brasileirão.

Se o Inter tiver alguma chance de avançar no campeonato, é quase certo que ele irá perder ou empatar, desperdiçando a chance de deixar para trás alguns adversários diretos na tabela. Se o Inter for jogar com um clube em crise ou afundado na zona de rebaixamento, há uma grande possibilidade de que ele irá perder a partida e dar uma sobrevida ao adversário no campeonato (se estivesse no universo das histórias em quadrinhos, o Inter seria o Poço de Lázaro da DC Comics). E num costume relativamente comum em boa parte dos clubes, o Inter sofre para jogar bem quando está longe de sua casa, o Estádio Beira-Rio, o que dificulta a conquista de vitórias.

Podemos ver essas coisas voltando um pouco no tempo. Em 2003, o Inter chegou a última rodada precisando apenas de um empate para se garantir na Libertadores de 2004. Acabou levando 5x0 do São Caetano no Estádio Anacleto Campanella e dando a vaga ao Coritiba. Em 2013, o então líder Inter vinha de quatro vitórias seguidas num bom começo de Brasileirão, uma sequência interrompida quando perdeu de 3x0 para o então lanterna Náutico. Em 2016, o Inter teve três jogos em casa que poderiam garantir a permanência na Série A (contra São Paulo, Santa Cruz e Ponte Preta), mas empatou os três, perdendo até um pênalti.

Voltemos para 2020. Após uma certa demora para engrenar (algo que também teve como obstáculo a parada devido a pandemia do novo coronavírus), o time se mostrou admirável defensiva e ofensivamente logo no começo do Campeonato Brasileiro, além de exibir um jogo de toque de bola bonito de se ver (o que dizer do gol de Gabriel Boschilia contra o Botafogo?). E conseguiu isso mesmo tendo falhas em algumas peças, como na lateral-esquerda, uma posição que há anos não vê um titular minimamente eficiente. Com um início de Brasileirão empolgante (o melhor do clube na competição desde 1979, ano de seu último título brasileiro), o Inter chegou à liderança tendo o melhor ataque e a melhor defesa, se posicionando como um possível campeão. Mas os velhos costumes, que pareciam estar controlados, voltaram a dar as caras nas últimas semanas.

Nas sétima e oitava rodadas, o Inter empatou com Palmeiras e Bahia, entregando gols para os adversários nos minutos finais e perdendo pontos que poderiam criar a chamada “gordurinha”, que o distanciaria ainda mais do segundo colocado na tabela e o isolaria na liderança. Na décima rodada, após um jogo eficiente e vitorioso contra o Ceará, o Inter enfrentou um Goiás em crise, na lanterna do campeonato e que jogou a partida inteira com um jogador a menos. A fama do Inter de ressuscitar os “mortos” é tão grande que na manhã do jogo eu e meu pai comentamos que esse era o tipo de partida que o time gosta de perder. O resultado: 1x0 para o Goiás. E na rodada desse fim de semana, tivemos mais uma derrota de 1x0 fora do Beira-Rio, dessa vez para o bom time do Fortaleza comandado por Rogério Ceni, uma derrota que acabou acarretando na perda da liderança do campeonato para o Atlético-MG.


Claro que pode ser uma perda momentânea de liderança. Temos ainda 27 rodadas pela frente, o Inter tem alguns bons jogadores em seu elenco, já mostrou que pode jogar melhor e Eduardo Coudet (que, na humilde opinião deste colorado, é um técnico excepcional) faz um trabalho digno de confiança, ao passo que vários outros possíveis candidatos ao título (como Flamengo, Atlético-MG, São Paulo e Palmeiras) também têm exibido irregularidades. Mas se o time quiser alcançar coisas boas, ele precisa parar de tropeçar nas próprias pernas. Do contrário, o Inter vai sempre me obrigar a beber para esquecer as frustrações.

domingo, 20 de setembro de 2020

A Hell Zone nos Tempos de Quarentena

Os últimos meses têm sido difíceis para o mundo inteiro. Pra algumas pessoas mais que pra outras. A pandemia do novo coronavírus acabou com planos, rotinas e causou uma verdadeira tragédia no sistema de saúde dos países afetados (nosso Brasil sendo um dos principais deles, já alcançando quase 140 mil mortos no momento em que escrevo este post). Se você está lendo isso e é um ser humano minimamente responsável, você deve estar passando esse período majoritariamente em casa, saindo apenas quando necessário, não encontrando amigos ou familiares e talvez esteja se sentindo um tanto isolado, se indignando com o noticiário e com pessoas que não levam a atual realidade a sério. Ficar em casa tem sido uma das principais formas de evitar uma maior proliferação desse vírus maldito, sendo um exercício de compaixão para com profissionais de saúde e quaisquer outras pessoas que estejam sofrendo por conta da pandemia. No entanto, ao ficar em casa também nos vemos enfrentando coisas não muito agradáveis e usarei o post de hoje para falar sobre uma delas: a hell zone.

É natural que todo mundo passe por dias ruins, mas a hell zone (ou “zona do inferno”, na tradução literal) é algo diferente. Vi a expressão pela primeira vez tempos atrás, quando por acaso me deparei com um comentário do comediante americano Dan Sheehan, e desde então tenho a usado com amigos para descrever um período em que ficamos meio desligados. Por “desligados” não quero dizer distraídos, mas sim desligados mesmo, sem energia.

A hell zone surge repentinamente. As coisas estão indo bem, os dias estão tranquilos dentro do possível, mas de repente... Boom, entramos numa espécie de baixo-astral. Na hell zone, há tarefas para serem realizadas, porém não há nenhuma motivação. Pode haver uma vontade de fazer alguma coisa, mas não se sabe o quê. Ficamos tristes, melancólicos e mal humorados, porém nada de especificamente ruim aconteceu para que nos sintamos assim. É uma sensação de pura inutilidade que simplesmente chega, nos assombra por um determinado período (pode ser alguns dias) e depois vai embora como se nunca tivesse estado ali, finalmente nos permitindo voltar ao normal. Ao menos até ela retornar e começar tudo de novo.

Não acho que a hell zone seja um tipo de depressão, mas pode ser que ela seja um sintoma. Na verdade, ela pode muito bem sempre ter estado conosco em maior ou menor grau, mas provavelmente o ato de ficar em casa durante a maior parte do tempo tornou ela um pouco mais perceptível, já que ficamos todos muito mais concentrados no nosso próprio espaço, não tendo para onde fugir. Particularmente falando, já tive um bom número de hell zones ao longo dos últimos seis meses, de forma que estou escrevendo esse post quase como uma forma de terapia. E por experiência própria, afirmo que a hell zone é uma merda, acabando com nossa produtividade exatamente quando mais precisamos nos sentir produtivos.

Mas por mais que a hell zone goste de nos deixar isolados, falar sobre ela é uma maneira interessante de lidar com as sensações que ela desperta. Podemos até nos sentir inúteis, mas não precisamos nos sentir inúteis sozinhos, seja durante uma hell zone ou durante uma pandemia.

sábado, 19 de setembro de 2020

Asilo Arkham: Uma Séria Casa em Um Sério Mundo


“– Mas não quero me encontrar com gente louca – observou Alice.

– Você não pode evitar isso – replicou o gato – Todos nós aqui somos loucos. Eu sou louco. Você é louca.

– Como sabe que eu sou louca? – indagou Alice.

– Deve ser. Ou não teria vindo aqui.”

Essa passagem de Alice no País das Maravilhas usada como prefácio em Asilo Arkham: Uma Séria Casa em Um Sério Mundo mostra o tipo de narrativa que encontraremos na graphic novel. A cultuada obra concebida por Grant Morrison e Dave McKean não é uma história comum do Batman, com ele salvando o dia de alguma forma em meio a tensão constante de Gotham City. Focando bastante na ambientação do hospital que mantém sob custódia as figuras psicologicamente desequilibradas que o herói enfrenta, o trabalho de Morrison e McKean joga o leitor em um submundo perturbado, com uma trama que faz jus a isso.

Em Asilo Arkham, os internos assumem o controle do hospital, fazendo Batman ser chamado por James Gordon para intervir, já que vilões como Coringa e Duas-Caras desejam falar com ele pessoalmente. Lá, com o Coringa brincando com sua cabeça, o herói se vê diante de uma espiral de loucura que parece querer mostrar que ele pertence àquele lugar tanto quanto os vilões. Ao mesmo tempo, acompanhamos em flashbacks situados várias décadas antes, contando a história de Amadeus Arkham, o fundador do local e cuja própria vida é repleta de insanidades e tragédias.

Asilo Arkham se aproxima muito mais de um terror psicológico que de uma trama de super-herói. As artes de McKean, por exemplo, apresentam um universo que remete a pesadelos, abordando todos os elementos da narrativa de maneira mais monstruosa (o próprio Batman parece uma assombração). Isso casa perfeitamente com a proposta da história de Morrison, cujas duas linhas narrativas (com Batman no presente e com Amadeus Arkham no passado) jamais fogem da brutalidade ali presente. Aliás, é interessante notar o paralelo feito entre o herói e o fundador do Asilo Arkham, sendo eles dois indivíduos cujas vidas foram drástica e psicologicamente impactadas pela violência ao seu redor. Violência esta que surge de um jeito mais gráfico, até porque os vilões retratados aqui parecem muito mais desequilibrados que o normal, o que reflete o próprio ambiente e o tratamento do hospital.

Por mais angustiantes que sejam a arte e a história de Asilo Arkham, trata-se de uma graphic novel difícil de largar. Grant Morrison e Dave McKean conseguiram criar uma obra que constantemente instiga o leitor a saber o que acontecerá naquelas páginas. No processo, temos uma história que ajuda a expandir a visão quanto ao quão complexo o universo de Batman pode ser.

quinta-feira, 10 de setembro de 2020

Visitando a História de Sobrevivência nos Andes


Julho de 2017. Pela primeira vez eu fui visitar outro país. Na ocasião, eu e minha irmã entramos em um ônibus a caminho de Montevidéu, a bela capital uruguaia, onde chegamos depois de doze horas de viagem. Foram quatro ótimos dias turistando, conhecendo a cultura e o ambiente uruguaio e criando boas histórias para contar. Sem dúvida é uma viagem que pretendo repetir outras vezes, até porque quatro dias ainda é pouco tempo e não foi possível conferir tudo o que a cidade tem a oferecer. Talvez no futuro eu escreva um post mais abrangente sobre esses dias, mas no momento quero me focar apenas em uma das partes que mais gostei na viagem: a visita ao Museu dos Andes.

Para quem não sabe, em 13 de outubro de 1972, um avião saiu de Montevidéu a caminho da capital chilena, Santiago. Entre os 45 passageiros, estavam os membros de um time uruguaio de rugby chamado Clube dos Cristãos Velhos, além de seus familiares, amigos e a tripulação. No Chile, o time estava programado para jogar uma partida contra uma equipe britânica, algo que não aconteceu porque, após um erro dos pilotos causado pelas péssimas condições climáticas, o avião acabou caindo na Cordilheira dos Andes. Das 45 pessoas a bordo, 33 sobreviveram à queda, mas muitas tiveram ferimentos graves e morreram nos dias seguintes. Sem ninguém para resgatar o grupo, foi iniciada uma verdadeira luta pela sobrevivência, o que durou 72 dias e fez com que as pessoas se alimentassem da carne de seus falecidos entes queridos, no ponto que mais marcou a tragédia e mostra como a situação era desesperadora. O caso teve conclusão depois que dois membros do time, Fernando Parrado e Roberto Canessa, corajosamente atravessaram a cordilheira por dez dias e conseguiram ajuda. No final, 16 pessoas sobreviveram e voltaram para casa.



A história foi contada em vários livros, sendo que o mais famoso deles talvez seja Os Sobreviventes, escrito pelo britânico Piers Paul Read e publicado em 1974. Já o Museu dos Andes foi concebido não só para preservar a memória de uma tragédia que causou grande comoção no Uruguai, mas também para honrar as vidas que foram perdidas tanto no acidente quanto nos dias que se sucederam. Dizer que curti essa parte do passeio por Montevidéu talvez nem seja a melhor forma de definir a sensação durante a visita ao museu, já que podemos sentir um certo embrulho no estômago só de saber que uma situação como essa ocorreu. Mas ainda que seja algo difícil de digerir, acho importante ter conhecimento de histórias desse tipo, até para saber o que o ser humano é capaz de fazer em situações extremas. Nessa visita ao Museu dos Andes, eu e minha irmã nos deparamos com um silêncio que parecia querer ressaltar o impacto daquele acontecimento. Isso enquanto caminhávamos por ambientes que traziam vários itens do acidente (como partes do avião), assim como resgates históricos interessantes (como uma linha do tempo que mostra o que acontecia no mundo enquanto os sobreviventes estavam na cordilheira).





Meses depois da viagem (repito: meses), eu estava checando os livros mais antigos que estavam na estante da minha casa quando notei um em especial: uma edição de 1983 de Os Sobreviventes. Sim, o livro que relata a história pela qual tanto me interessei estava bem debaixo do meu nariz, fazendo parte da pequena coleção de livros dos meus pais desde antes de eu nascer. Sendo meu pai um piloto de avião (hoje aposentado), em algum momento de sua vida ele se interessou pela história e adquiriu o livro, de forma que fiquei um pouco indignado por ele não ter avisado da existência deste exemplar quando eu e minha irmã falamos da viagem. Mas indignações à parte, é claro que não perdi muito tempo e peguei o livro para ler.

Mesmo que Piers Paul Read seja britânico e, portanto, tenha acompanhado o caso à distância na época, podemos ver ao longo das páginas que ele fez um trabalho de pesquisa impressionante, entrevistando os envolvidos e ficando por dentro de tudo sobre o acidente. Sendo assim, o que se vê em Os Sobreviventes é um relato bastante detalhista sobre a queda do avião e os 72 dias que as pessoas ficaram na Cordilheira dos Andes. O autor também estabelece bem o contexto da época do acidente e mostra toda a logística por trás das tentativas de resgate por parte do governo, além de explorar os efeitos que aqueles dias tiveram (e acredito que ainda tenham) nos sobreviventes. Essencialmente, o que temos aqui é uma história de superação e esperança, e o autor merece créditos por conseguir contar tudo isso sem amenizar o peso dos acontecimentos e das difíceis decisões tomadas por aquelas pessoas. Read até avisa no prefácio que não romanceou nenhuma passagem do livro, permitindo que os fatos causem impacto por si mesmos.

Em 1993, o livro foi adaptado para o cinema pelo diretor e produtor Frank Marshall em Vivos, filme que trouxe Ethan Hawke e Josh Hamilton nos papeis de Fernando Parrado e Roberto Canessa, respectivamente. Apesar de contar com bons momentos e um elenco esforçado, o longa não chega a ter uma narrativa que reflita o peso emocional da história. Os Sobreviventes, porém, se mantém como um livro instigante e bastante completo sobre uma tragédia que o povo uruguaio jamais vai se permitir esquecer, ao passo que o Museu dos Andes é um ponto turístico que merece ser visitado.

segunda-feira, 7 de setembro de 2020

Bem-Vindo, Toco 2.8!

“Vamos pedir um cento de salgadinhos pra segunda-feira?”, perguntou minha mãe há alguns dias.

“Tá... Mas por quê?”, perguntei.

“Pro teu aniversário!”, ela disse fazendo uma cara de surpresa, o que é normal para alguém que falava uma obviedade.

Eu sei, eu sei. Salgadinhos são bons e não é preciso um motivo especial para encomenda-los. Logo, minha pergunta não tinha lá muito sentido. Mas foi nesse diálogo com a minha mãe que percebi que minha noção de tempo nesse ano foi para as cucuias. Os meses, os dias e as horas têm se confundido, de forma que não é raro o meu cérebro dar algumas voltas até concluir em que ponto do calendário estamos e o que tenho planejado. Sinais da idade ou do fato de os dias ultimamente estarem parecendo iguais? Eis uma questão a se pensar.

Mas hoje é segunda-feira, 07 de setembro de 2020. Para muitos (senão a maioria), é um feriado de Dia da Independência como os que temos todos os anos. Para mim, é o dia que completo mais um ano de vida. Normalmente isso seria comemorado de alguma forma, seja juntando a família para comer pizza ou chamando os amigos para beber. Ou as duas coisas, se possível. Mas todo esse contexto envolvendo a maior pandemia dos últimos 100 anos faz com que este 2020 não seja um ano normal, impossibilitando quaisquer comemorações normais. Na verdade, a pandemia até tira o desejo de fazer algo assim.

Mas não vou escrever um post deprimente. Ou pelo menos não pretendo. O que eu quero é apenas tentar processar como estou hoje.

Como todo ser humano que tem noção de que não nasceu sabendo tudo, eu acho que sou um constante trabalho em desenvolvimento. Dia após dia eu procuro ser uma pessoa melhor do que eu era no dia anterior. Chego aos 28 anos ainda tendo muitos dos medos, incertezas e inseguranças com os quais cresci, detalhes que constantemente formam na minha cabeça uma parede difícil de derrubar e que me impede de ser alguém um pouco mais satisfeito consigo mesmo (eu sei, eu preciso de terapia). No entanto, vale dizer que gosto mais de quem eu sou hoje do que de quem eu era há alguns anos, o que certamente aponta que se as coisas não estão perfeitas, ao menos estão longe de estarem ruins e já evoluíram alguma coisa.

Se eu penso e sinto isso, provavelmente o tal trabalho em desenvolvimento está correndo por bons caminhos. Como sei disso? Não há bem uma resposta lógica. Apenas levo em consideração o carinho que recebo todos os dias de familiares e amigos (que não são poucos, felizmente). Gosto de pensar que extraio os melhores aprendizados dessas pessoas com quem tenho uma relação de afeto e admiração recíprocas, de forma que elas certamente acabam ajudando este ser humano aqui a evoluir. E sou grato por ter essas pessoas na minha vida (não citarei nomes, mas elas sabem quem são).

Sabendo que ainda tenho uma longa jornada a percorrer e muitos objetivos para alcançar, dou as boas-vindas ao Toco 2.8, e desejo a ele sorte para se manter em um bom caminho. E, se possível, espero que ele tenha um texto mais bem escrito quando a versão 2.9 chegar daqui um ano.

sábado, 5 de setembro de 2020

A Excelência Inesquecível de Persépolis

Há cerca de sete anos, na reta final da minha formação em Produção Audiovisual na ULBRA, optei por fazer uma disciplina da faculdade de Jornalismo. Em determinado momento, a graphic novel Persépolis, de Marjani Satrapi, foi o centro de um dos trabalhos propostos pela professora Gabriela Almeida (uma das melhores professoras que já tive, vale dizer). O trabalho consistia em escrever uma resenha sobre a obra de Satrapi, algo que fiz com gosto tendo em vista sua qualidade excepcional. Agora que tenho o Caixa de Sucata para falar sobre qualquer assunto, decidi revisitar o texto para ver se eu poderia reaproveita-lo de alguma forma. Depois de modificar certos detalhes e atualizar o que eu havia escrito para ficar um pouco mais com a cara do Thomás de 2020, resolvi publicá-lo aqui.

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As primeiras imagens que aparecem nos quadrinhos de Persépolis é a de um grupo de meninas iranianas vestindo o véu preto comum na cultura do país. Nisso, a narradora, protagonista e autora Marjane Satrapi diz que não podemos vê-la entre aquelas meninas, já que ela está sentada em um canto fora do quadro. Mas mesmo que pudéssemos vê-la, ainda assim seria difícil identifica-la, já que todas as meninas parecem idênticas com o véu em volta de suas cabeças. É uma imagem interessante por mostrar não só um pouco dos costumes conservadores do país, mas também como isso parece tirar a personalidade de seus habitantes, que passam por uma série de dificuldades em meio a um caos social pontuado por guerras. Um desses habitantes é a própria Marjane Satrapi, que conta no decorrer da graphic novel uma história pessoal e de grande peso emocional.

Partindo de 1980, quando Satrapi tinha 10 anos e a Revolução Islâmica estava dando seus primeiros passos, Persépolis inicia sua história com um visual bastante simples e até mesmo infantil, o que combina perfeitamente com a visão de mundo que a autora tinha na época (o modo como ela descreve e ilustra certas passagens, por exemplo, mostra como ela imaginava certas coisas quando criança). E é interessante notar como a narrativa vai naturalmente amadurecendo junto com sua protagonista, o que mostra a inteligência de Satrapi com relação ao modo como conta sua história nos quadrinhos.

Em Persépolis, Marjane Satrapi conta as dificuldades que ela e sua família passaram nos primeiros anos de uma revolução que fez o país regredir 50 anos, como o pai da autora diz em determinado momento. Uma parte dessas dificuldades ocorria muito por conta do forte gênio da própria Satrapi, cujo modo de pensar e agir era totalmente oposto ao das grandes autoridades do país e das escolas por onde passou, o que frequentemente fazia ela ser expulsa das instituições. E tendo em vista a rigidez do conservadorismo no Irã, é compreensível que os pais de Satrapi tenham resolvido manda-la para Europa para que ela pudesse finalizar seus estudos. Isso não deixa de apontar a sorte e o privilégio da autora, que teve uma família com condições de ajudá-la a percorrer esse caminho, mas ainda é triste ver como o contexto de seu país a fez precisar optar por tal saída (e a imagem que traz o pai de Satrapi carregando nos braços a mãe dela desmaiada no aeroporto é uma das mais marcantes e tristes da graphic novel).

A passagem de Satrapi pela Europa, aliás, é interessante pelo impacto que tem em sua vida. Na Áustria, a autora tem muito da liberdade que lhe faltava em sua terra-natal, tendo a oportunidade de fazer coisas que geralmente não poderia fazer, como seguir um estilo “punk” e ter vários relacionamentos. Claro que nem tudo são flores durante essa passagem. Mesmo vivenciando um ambiente mais livre, Satrapi ainda vive experiências que a jogam no fundo do poço. Experiências estas que não deixam de contribuir para o desenvolvimento da força da protagonista quando adulta.

O impacto de todas essas vivências e ideias que moldam Marjani Satrapi pode ser visto no momento em que ela reencontra velhas amigas no Irã. Quando Satrapi compartilha algumas de suas histórias, o mal julgamento que essas amigas fazem dela não deixa de ser lógico tendo em vista que elas passaram a vida toda em seu país de origem, se adequando às regras que lhes foram impostas. Esse momento da história é um dos principais exemplos do choque de costumes que vemos ao longo das páginas, mostrando como esses aspectos da sociedade podem gerar visões diferentes e se tornar quase que parte do DNA das pessoas, sejam eles opressivos ou não.

Persépolis é, essencialmente, um relato tocante de alguém que passou por cima de muitos obstáculos para formar sua vida sem abrir mão de quem é como ser humano. Uma graphic novel essencial não só por sua temática sociopolítica, que aborda muito do que há de complexo no mundo em que vivemos, mas também pela empatia que move sua narrativa.

quarta-feira, 2 de setembro de 2020

Batman: Ano Um - Antes Tarde do que Nunca

Quando a carteira permite, eu sou alguém que gosta demais de comprar filmes, livros e histórias em quadrinhos, que acabam se empilhando nas estantes do meu quarto. No entanto, eu não sou uma pessoa das mais organizadas, de forma que frequentemente acontece de eu comprar novos itens mesmo sem ter conferido tudo o que já tenho. E é claro que levo um bom tempo para consumir algumas dessas coisas. Batman: Ano Um foi uma delas, mas corrigi isso ontem à noite.

Como é indicado pelo título, a graphic novel que tem roteiro de Frank Miller e arte de David Mazzuchelli foca no primeiro ano de Bruce Wayne como Batman. Mas a história mostra ser menos sobre como o ricaço de Gotham City se tornou o super-herói e mais sobre o porquê. Assim, é notável a profundidade dada aos dilemas tanto de Wayne quanto de outros personagens, como James Gordon, que é praticamente um coprotagonista dentro da narrativa, com a história se dividindo distintamente entre as cruzadas dele como policial e de Batman como vigilante, mostrando a aliança entre eles se formar de maneira lógica e orgânica.

Além disso, por se tratar dos primeiros dias do Batman, é interessante e até natural ver o personagem falhar mesmo quando enfrenta criminosos considerados peixes pequenos, algo que ajuda a humanizar uma figura que nos acostumamos a ver como um herói grandioso e implacável. Mas particularmente falando, o que mais chamou a minha atenção durante a leitura foi o retrato de Gotham City e o quanto um indivíduo como Batman pareceu mais que necessário naquele lugar. Afinal, a cidade parece um verdadeiro inferno, inspirando apenas medo em seus habitantes ao ser consumida pela violência e pela corrupção tanto por parte de criminosos quanto da própria polícia, detalhes refletidos no aspecto sombrio que ela ganha nas artes de cada página. Com isso, Batman surge praticamente como um senso de justiça, ideia compartilhada por personagens como o promotor Harvey Dent (que aqui ainda não era seu famoso alter ego Duas Caras) e, eventualmente, por James Gordon.

Uma coisa que acho que pode ser dita sobre Batman: Ano Um é que se trata de uma obra que pode ser um verdadeiro deleite não só para fãs do clássico super-herói, mas também para qualquer um que goste de uma história bem contada. O trabalho de Frank Miller e David Mazzuchelli é admirável, e apenas lamento ter levado tanto tempo para lê-lo.