quinta-feira, 30 de março de 2023

Expectativas, Pressões e o Tempo

Semanas atrás assisti ao filme Ela Vai Ter Um Bebê, dirigido pelo John Hughes e lançado em 1988. Para ser sincero, foi um filme no qual apreciei mais as ideias e mensagens que Hughes traz no roteiro do que propriamente a forma como ele trabalha elas na tela. Mas este texto não é uma crítica de cinema. Isso eu deixo para o outro blog (aliás, ultimamente ele tem tido bastante conteúdo, sugiro que confiram). Na verdade, resolvi escrever exatamente sobre essas ideias do filme, que me mantiveram um pouco pensativo.

No filme, Kevin Bacon e Elizabeth McGovern interpretam Jake e Kristy. Quando os conhecemos, eles são dois jovens que estão prestes a se casar. A partir daí basicamente passamos a acompanhar o casal iniciar sua vida juntos, repleta de trancos e barrancos.

Quando digo trancos e barrancos, não me refiro apenas a brigas que imagino que todo casal tem em maior ou menor grau, mas também às inseguranças que os personagens têm em relação as suas decisões, sonhos, insatisfações, planejamentos, futuro... Enfim, inseguranças em relação à vida. Ver Jake e Kristy com tantas dúvidas e preocupações que os fazem viver frequentemente estressados é algo que serve quase como um espelho (ou ao menos serviu para mim). E se pensar essas coisas já é algo que pode ser estressante, acaba piorando quando ficamos matutando o que os outros (pais, amigos, colegas) esperam de nós, muitas vezes olhando um potencial que não conseguimos alcançar por quaisquer motivos.

Tudo isso fez eu pensar sobre como tem sido a minha própria vida em termos do que quero, do que sonho, do que gostaria de já ter alcançado. Minha cabeça chegou a voltar um pouco para a época do ensino médio, quando colegas diziam que eu seria um dos mais bem sucedidos da turma e que eles iriam trabalhar para mim, algo que concluíam apenas porque eu tirava boas notas e era um aluno que andava na linha. Quem dera as coisas fossem simples assim (aliás, se eles soubessem naquela época que eu simplesmente não tenho perfil para ser chefe ou líder de qualquer coisa, creio que ficariam decepcionados).

É claro que não podemos levar tão a sério o que adolescentes têm a dizer sobre a vida, mas lembrar dessa época e constatar que hoje alguns desses colegas estão (ou parecem estar) em fases mais adiantadas é o tipo de coisa que fez eu olhar para os diversos caminhos que podemos tomar, com alguns conseguindo seguir suas rotas com mais naturalidade e menos dificuldades que outros. As coisas são tão complexas que nem posso afirmar com certeza que esses colegas estão adiantados, já que na verdade pode ser que eles apenas estejam na fase que deveriam estar e eu é que me sinto muito atrasado.

Mas o que quero dizer é que nada disso segue necessariamente uma lógica. Às vezes podemos até fazer tudo certinho, e ainda assim vamos nos ver em apuros. Hoje eu me sinto longe de ser um homem adulto realizado e com a vida bem encaminhada. Podemos argumentar que recém tenho 30 anos, ainda é cedo, pouquíssimas pessoas chegam a essa idade tendo tudo pronto. E tais argumentos não estão errados. Aposto que nem meus antigos colegas acreditam que já chegaram no auge. Mas é difícil não sentir uma pressão nos ombros quando olho para o espelho e noto os meus primeiros cabelos brancos enquanto não há expectativas interessantes para o futuro.

Enfim... Pode ser que esse texto tenha ficado todo desconjuntado. E talvez daqui um tempo eu o releia e sinta certa vergonha das palavras aqui utilizadas, como é comum em quase todos os textos que escrevo e publico. Mas esse é o lado bom da passagem de tempo: ela pode nos dar a sabedoria que precisamos para concluirmos como éramos mais tolos e ingênuos.

segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Bairrismo Nosso de Cada Dia

(Inspirado em um conceito real)

Porto Alegre. Manhã de segunda-feira.

O jovem repórter sai de casa para a redação. Havia começado a trabalhar no jornal há poucos dias. Seu primeiro emprego na área após anos de estudo. Ficou aliviado por sua mãe conhecer alguém que conhecia alguém que conhecia alguém que sabia de um lugar que estava precisando – ou que ao menos queria dar uma chance a um novato. Não era o melhor veículo, mas era um começo, e ele já estava pegando as manhas do tipo de pautas que eram aceitas ali. Por conta disso, precisava ter em mãos uma grande variedade de acontecimentos ou assuntos. E sabia que ao menos um deveria ser um pouco mais específico que o normal para o agrado do jornal.

Foi o primeiro a chegar na redação. Era um hábito que estava se criando. A qualquer momento um de seus colegas iria perguntar se ele dorme escondido em alguma das minúsculas salas.

Editor-chefe Barros chegou pouco depois. Como sempre cheio de energia e com sua caneca de café em mãos.

“Então, o que temos pra hoje?”, perguntou.

O jovem repórter ainda ficava um pouco nervoso antes de falar. Precisou fingir que checava seu caderninho para que não percebessem a pane em seu cérebro, que durou uns dez segundos até ele finalmente abrir a boca.

“Teve uma prisão noite passada na Zona Sul. A polícia de São Paulo estava atrás desse cara há um tempo. Matou a namorada e vazou pra cá.”

Barros passou a mão na testa.

“A namorada era gaúcha?”, perguntou.

“Pelo que pude apurar até agora, não”, disse o jovem repórter.

“Então vamos pra próxima”.

O jovem repórter olhou rapidamente suas páginas. Um colega entrou na sala nesse meio tempo e olhou surpreso para ele e depois para Barros.

“O guri dormiu escondido aqui?”, perguntou.

“Não”, respondeu o jovem repórter antes de continuar. “Hoje está programado pra acontecer o lançamento de um livr...”

Barros o interrompeu.

“Ah, estou sabendo disso. É daquele escritor carioca de suspenses. Se ele ainda tivesse situado a história do livro aqui pela região a gente até poderia cogitar. Mas não”.

O colega aproveitou a deixa e largou uma sugestão.

“Tem uns gaúchos fazendo excursão na Suécia. Todos devidamente pilchados. Combinei de fazer uma reportagem com eles por vídeo-chamada. O que acha?”. A pergunta foi puramente retórica.

“Opa, manda ver”, disse Barros feliz da vida. “Aliás, vocês viram o amistoso do Arsenal contra a Roma ontem? Tinha um cara com a camiseta do Inter na torcida. Seria um feito conseguir um depoimento dele.”

Depois dessa, o jovem repórter pulou direto pro último assunto que tinha. O único que sabia que tinha chances de ir pra frente.

“Tem uma hamburgueria aqui que se especializou em hambúrgueres de erva-mate”.

Barros imediatamente pareceu interessado.

“Vai lá e faz uma matéria completa, hein?”