segunda-feira, 23 de janeiro de 2023

Bairrismo Nosso de Cada Dia

(Inspirado em um conceito real)

Porto Alegre. Manhã de segunda-feira.

O jovem repórter sai de casa para a redação. Havia começado a trabalhar no jornal há poucos dias. Seu primeiro emprego na área após anos de estudo. Ficou aliviado por sua mãe conhecer alguém que conhecia alguém que conhecia alguém que sabia de um lugar que estava precisando – ou que ao menos queria dar uma chance a um novato. Não era o melhor veículo, mas era um começo, e ele já estava pegando as manhas do tipo de pautas que eram aceitas ali. Por conta disso, precisava ter em mãos uma grande variedade de acontecimentos ou assuntos. E sabia que ao menos um deveria ser um pouco mais específico que o normal para o agrado do jornal.

Foi o primeiro a chegar na redação. Era um hábito que estava se criando. A qualquer momento um de seus colegas iria perguntar se ele dorme escondido em alguma das minúsculas salas.

Editor-chefe Barros chegou pouco depois. Como sempre cheio de energia e com sua caneca de café em mãos.

“Então, o que temos pra hoje?”, perguntou.

O jovem repórter ainda ficava um pouco nervoso antes de falar. Precisou fingir que checava seu caderninho para que não percebessem a pane em seu cérebro, que durou uns dez segundos até ele finalmente abrir a boca.

“Teve uma prisão noite passada na Zona Sul. A polícia de São Paulo estava atrás desse cara há um tempo. Matou a namorada e vazou pra cá.”

Barros passou a mão na testa.

“A namorada era gaúcha?”, perguntou.

“Pelo que pude apurar até agora, não”, disse o jovem repórter.

“Então vamos pra próxima”.

O jovem repórter olhou rapidamente suas páginas. Um colega entrou na sala nesse meio tempo e olhou surpreso para ele e depois para Barros.

“O guri dormiu escondido aqui?”, perguntou.

“Não”, respondeu o jovem repórter antes de continuar. “Hoje está programado pra acontecer o lançamento de um livr...”

Barros o interrompeu.

“Ah, estou sabendo disso. É daquele escritor carioca de suspenses. Se ele ainda tivesse situado a história do livro aqui pela região a gente até poderia cogitar. Mas não”.

O colega aproveitou a deixa e largou uma sugestão.

“Tem uns gaúchos fazendo excursão na Suécia. Todos devidamente pilchados. Combinei de fazer uma reportagem com eles por vídeo-chamada. O que acha?”. A pergunta foi puramente retórica.

“Opa, manda ver”, disse Barros feliz da vida. “Aliás, vocês viram o amistoso do Arsenal contra a Roma ontem? Tinha um cara com a camiseta do Inter na torcida. Seria um feito conseguir um depoimento dele.”

Depois dessa, o jovem repórter pulou direto pro último assunto que tinha. O único que sabia que tinha chances de ir pra frente.

“Tem uma hamburgueria aqui que se especializou em hambúrgueres de erva-mate”.

Barros imediatamente pareceu interessado.

“Vai lá e faz uma matéria completa, hein?”

2 comentários:

Mila disse...

Ah, o bairrismo gaúcho

Bruno Farinon disse...

Teve uns gaúchos tentando fazer golpe de estado por aí, vai que o Barros se interessa...