quinta-feira, 17 de dezembro de 2020

Onde eu estava quando o Inter conquistou o mundo?

Desde 2006, a pergunta que intitula este post talvez seja feita por todos (ou quase todos) os colorados a cada 17 de dezembro riscado no calendário anualmente. Ver seu time se sagrar Campeão do Mundo não é algo que acontece todo dia, e o Internacional alcançou isso há exatos 14 anos, em uma data cuja aura é atipicamente deliciosa. Em um dia como aquele, acho que os sentidos dos colorados se tornaram verdadeiras câmeras, buscando gravar o máximo possível de cada segundo daquelas 24 horas. Assim elas se tornariam inesquecíveis e poderíamos tentar revivê-las através das memórias.

Onde eu estava na manhã em que o Inter conquistou o mundo? Bem, eu estava sozinho em casa. Sim, sozinho. Minha irmã havia se inscrito em um concurso público para tentar uma vaga de professora na rede municipal de Sapucaia do Sul, e a organização achou uma boa ideia marcar a prova exatamente para aquela manhã. Meus pais pegaram o carro que tínhamos na época e levaram minha irmã até o local da prova (a ULBRA, exatamente a universidade na qual eu me formaria quase uma década depois), ficando em um pequeno bar enquanto esperavam por ela, algo que durou a manhã inteira. Sendo assim, fiquei sozinho em casa, tendo que compartilhar meu nervosismo apenas com nossa cachorrinha, Duda, que tenho quase certeza que não fazia ideia do que estava acontecendo.


E haja nervosismo. Sendo honesto, eu não via muita chance de o Inter conquistar aquele campeonato, considerando o time que o Barcelona tinha. Eles podiam não contar com Samuel Eto'o e um tal de Leonel Messi, ambos lesionados, mas nomes como Victor Valdés, Carles Puyol, Rafa Márquez, Andrés Iniesta, Xavi Hernández, Deco e Ronaldinho já eram muito mais que o suficiente para que um menino de 14 anos sentisse medo por quem os enfrentasse. Com isso, cada jogada de ataque do Barcelona resultava em uma unha a menos nos meus dedos. Cada boa chance desperdiçada pelo Inter resultava em alguns fios de cabelo arrancados, já que não havia como saber se apareceriam outras oportunidades. E foi assim durante quase o jogo inteiro.

Aos 30 minutos do segundo tempo, quando o ídolo Fernandão sentiu a panturrilha e foi substituído por Adriano Gabiru, a esperança (quase inexistente) de que aquele jogo terminaria de forma positiva para o Inter diminuiu ainda mais. Afinal, saía uma das grandes referências do time e entrava um dos jogadores mais contestados daquela temporada. Via-se ali um exemplo de como a vida não funciona da maneira como gostaríamos ou esperamos, o que tornou ainda mais surpreendente o fato de que, cinco minutos depois de colocar o pé em campo, Adriano colocou a bola na rede de Victor Valdés e correu pro abraço. Mas mesmo ali a incredulidade gritava na cabeça deste que vos fala, fazendo eu pensar imediatamente que nosso camisa 16 estava impedido na hora do passe de Iarley. Na minha cabeça, simplesmente não era concebível o que estava acontecendo. Seria uma falha na Matrix? O trio de arbitragem do jogo prestou atenção no lance? O gol realmente valeu?

Foram necessários o reinício do jogo e o 1x0 marcado no placar da Globo para que eu finalmente começasse a pular de felicidade em frente à televisão. Mas o nervosismo não demorou a voltar a tomar conta de minhas entranhas, já que Deco deu uma resposta imediata após o Barcelona sofrer o gol, metendo uma patada no ângulo direito e que Clemer espalmou em uma das defesas mais lindas que já tive a oportunidade de ver. E pouco depois disso Ronaldinho ainda cobrou para fora uma falta frontal que quase tirou tinta da trave. Dias depois, minha saudosa avó Aracy contou que nesse momento ela havia pego um de seus bonecos de artesanato e dado um nó em suas pernas (se foi isso que fez Ronaldinho errar aquela cobrança, aí é algo que deixo para vocês decidirem).


Após a conquista, meus pais e minha irmã chegaram em casa e pude, finalmente, compartilhar a alegria com outros seres humanos. Isso na verdade parece ter sido a grande tarefa do dia, considerando que eu e meu pai ainda decidimos caminhar pela vizinhança devidamente fardados com nossas camisetas do Inter, conversando com um ou outro colorado que surgia na rua. Em casa, a televisão ficou sintonizada quase exclusivamente na extinta emissora gaúcha TVCOM, que reprisou várias vezes o jogo ao longo do dia.

E foi bom ver estas reprises sabendo o resultado final. Nelas pude ver que o nervosismo e o pessimismo podiam ter me dominado durante o jogo, mas não dominaram o meu time. O Barcelona até poderia ter alguns dos melhores jogadores do mundo, mas o Inter tinha uma estratégia e a executou com a confiança de quem sabe que a lógica não entra em campo no futebol. Abel Braga e seus comandados jogaram, enfim, como verdadeiros Gigantes da Beira-Rio. E espero nunca esquecer disso.

Um comentário:

Bruno disse...

Meu brother, que texto incrível. E que jogo icônico que traduz precisamente a magia do esporte.
Na manhã do jogo eu voltava da minha festa de formatura do ensino médio, que havia ocorrido simplesmente na avenida Goethe. Apesar de ser gremista e de ter corrido de um bando malucamente embriagado de colorados que não gostaram da cor azul na camiseta de meu amigo, admito que senti uma sensação boa ao chegar em casa e ver o desconhecido Gabirú desbancar Ronaldinho e companhia.