terça-feira, 23 de março de 2021

Passeando por Bento usando o Google Maps

Frequentemente acho engraçado como minha cabeça funciona para guardar algumas informações e momentos completamente inúteis, enquanto outras mais importantes ou ficam meio de lado ou se perdem como lágrimas na chuva, como diria o replicante Roy Batty em Blade Runner. Mas recentemente me peguei diante de uma lembrança curiosa dos tempos em que morei na cidade de Bento Gonçalves e que não sabia que ainda estava guardada na minha caixola. Uma lembrança que pode ser resumida simplesmente a trajetos.

Morei em Bento Gonçalves por quase três anos, de 2000 até o finalzinho de 2002. A razão foi porque meu pai aviador conseguiu um emprego como piloto na cidade interiorana. Sendo eu apenas uma criança, foi uma mudança de ares triste inicialmente, já que deixei para trás amigos com quem eu estava crescendo quase como unha e carne e fui para um lugar completamente diferente, que eu nunca tinha ouvido falar e no qual não conhecia ninguém. No fim a tristeza foi bastante em vão, considerando que o período em Bento Gonçalves foi bem divertido e lembro dele de maneira bastante calorosa.

Mas, infelizmente, depois que voltei para Porto Alegre nunca mais coloquei meus pés em Bento Gonçalves. Não por falta de vontade, mas porque a vida simplesmente acontece e ao longo dos últimos 18 anos não tive uma oportunidade de voltar para lá e turistar um pouco. Dias atrás, porém, eu estava deitado em minha cama tentando pegar no sono quando comecei a me perguntar sobre lugares que frequentei na cidade. E foi então que acabei fazendo uma viagem usando o Google Maps.

A primeira pergunta que me fiz foi “Será que a locadora onde eu ia ainda existe?”. Tal locadora, como vim a lembrar pelas pesquisas, se chamava Solar Games e ficava na Galeria Solar, próxima do Colégio Aparecida, onde eu estudava. Era ali que eu costumava não só alugar filmes e jogos para passar o fim de semana, mas também ir jogar videogame por uma ou duas horas de vez em quando. Pois bem, infelizmente não consegui descobrir se a locadora ainda existe, até porque o Google Maps não permite entrar nos lugares. Mas suponho que ela tenha tido o mesmo destino da maioria das locadoras nos últimos anos, já que não encontrei registro algum na internet.

Mas minha viagem não parou por aí. Depois de ficar diante da galeria resolvi ver como é a fachada do Colégio Aparecida. Desci pela Rua Ramiro Barcelos e logo fiquei diante da escola, que pelo que entendi construiu uma espécie de secretaria no lugar por onde os alunos costumavam entrar nos anos em que estudei lá, mudando a entrada principal para o estacionamento (colegas de Bento, se estiverem lendo isso, fiquem à vontade caso queiram explicar melhor o que mudou ao longo dos anos depois que fui embora).

No entanto, essa pequena brincadeira tomou um rumo inesperado quando me fiz uma pergunta mais específica: será que depois de quase 20 anos eu ainda sei o caminho da escola até o condomínio onde morei?

Aqui acho bom explicar um detalhe. Uma das vantagens que tive morando em Bento Gonçalves foi o fato de todas as andanças que fiz pela cidade terem sido a pé. Os lugares que frequentei ao longo daqueles anos não ficavam tão longe da minha casa, de forma que nunca precisei pegar um ônibus como normalmente me vejo fazendo aqui em Porto Alegre (digo “normalmente” porque já faz quase um ano que a pandemia faz eu evitar pegar transporte público). Sendo assim, eu fiz o caminho entre a minha casa (na Rua Góes Monteiro) e a escola (na Ramiro Barcelos) centenas de vezes ao longo de quase três anos. Mas mesmo assim fiquei em dúvida se eu ainda saberia esse caminho, o que rendeu um desafio interessante.

Dessa forma, saí do Aparecida na Ramiro Barcelos e dobrei a esquerda na Avenida Júlio de Castilhos. E segui reto por um bom tempo, até chegar a Igreja Metodista. Eu sabia que indo um pouco mais adiante eu encontraria o supermercado Apolo, que tanto frequentei com a família. Eu imaginei que alguma outra rede de supermercados poderia ter assumido o lugar do Apolo, mas ele se manteve firme ali ao longo desses anos. Chegando ali, eu ainda sabia que, se eu subisse a Rua Cavalheiro Horácio Mônaco, estaria a meio caminho de casa.

Porém, ao final da quadra me vi quase diante de uma encruzilhada. Eu sabia que deveria dobrar a esquerda, mas não lembrava se deveria ir pela rua de baixo ou pela rua de cima. Num pequeno chute, optei por ir por esta última. Entrando ali, segui reto até ver se encontrava algum prédio cinza que tivesse algumas lojas ao redor e um piso de tijolos na entrada.

Notei estar no caminho certo quando passei diante de um posto Ipiranga, que talvez seja a única referência que lembro dentre todas as coisas próximas da minha casa. Inclusive, lembro que meu pai tentou me ensinar a andar de bicicleta em uma área do posto (infelizmente acabei desistindo de aprender depois de uma queda feia). E eis que andando mais um pouco encontrei o edifício, que ainda estava com o mesmo piso de tijolos escuros ao redor, mas agora contava com um portão branco na entrada (pelo que lembro, o portão nos meus tempos era preto).

No entanto, comecei a ter dúvidas se era mesmo o lugar certo, já que eu estava na Rua Saldanha Marinho e não na Góes Monteiro. Olhando o mapa, vi que a Góes Monteiro era a rua que ficava atrás do edifício. “Será que a prefeitura trocou as ruas de lugar?”, pensei. Um pensamento que talvez não tenha muito sentido, mas peço que me deem um desconto porque era madrugada e o sono estava chegando. Foi então que lembrei que estava tudo certo. A Góes Monteiro era a rua do estacionamento do prédio, enquanto que a entrada principal ficava mesmo na Saldanha Marinho. Como os carteiros não se confundiam para encontrar as caixinhas de correspondência dos moradores é algo que ficarei me perguntando.

O desafio foi concluído com sucesso. Aparentemente, é difícil esquecer um caminho feito tantas vezes. Mas o que foi legal nesse pequeno passeio não foi provar que minha memória continua relativamente boa, e sim lembrar de um período divertido em uma cidade que me deu boas lembranças. Quem sabe depois da pandemia ocorra de fazer uma visita pessoalmente? O futuro dirá.

3 comentários:

Maria Luiza Rodrigues disse...

Adorei esse texto, muito bom perceber que este período, em que moramos em
Bento Gonçalves, deixou boas e alegres lembranças.👏👏👏👏

Bruno disse...

Meu mano, pra alguém nostálgico como eu, teu texto me fez viajar por tuas - e também por minhas -memórias.

Gostei muito, e ainda estou sob efeito.

Saudosas locadoras...
Saudosas crianças nossas - e que sigam vivendo apesar de nosso amadurecimento (whatever that means).

mila disse...

nossa, que impressionante que você achou... com a minha memória eu ia ficar completamente perdida, certo.

adorei o texto, fiquei super concentrada na sua jornada!